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Projeto da UFSC busca fortalecer agricultura familiar e camponesa

Fortalecer a agricultura familiar e camponesa produzida em assentamentos da reforma agrária e inseri-la de modo viável nas cadeias de comercialização. Essa é a missão do projeto “Estudos estratégicos para as cadeias de valor da reforma agrária”, que é coordenado pelo professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Estevan Felipe Pizarro Muñoz, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu).

“A Fapeu é uma fundação que tem uma sólida reputação, é uma organização que nos ajuda a gerenciar os recursos. Como coordenador, tenho a maior preocupação de fazer com que os recursos públicos sejam utilizados da melhor forma possível e também, obviamente, da forma que a legislação determina. Então é importante a gente ter uma fundação que nos dê a assessoria contábil, a assessoria jurídica e todo o suporte para a gente fazer tudo dentro do que é legal”, destaca o coordenador.

O projeto começou a ser desenvolvido no final de 2023 e tem duração prevista de 24 meses. “Queremos ajudar a potencializar e a qualificar os processos que vão desde a produção até o consumo e tudo o que existe entre essas duas dimensões, que, na literatura, podemos chamar de cadeia de valor. Queremos propor ações que qualifiquem as cadeias de valor de alimentos saudáveis e agroecológico oriundos das áreas de assentamentos de reforma agrária”, explica o professor Estevan Muñoz.

“Hoje você tem os produtores dos alimentos que repassam a produção aos atravessadores, que é quem a leva até os canais de comercialização. E aquele que produziu é o que menos ganha. Essa é a lógica atual das cadeias produtivas. Porque tem uma série de empresas atuando antes e depois da porteira de modo articulado, mas, dentro da porteira, a agricultura familiar e camponesa está extremamente espremida por esses processos”, observa Muñoz, que integra o Laboratório de Educação do Campo e Estudos da Reforma Agrária (Lecera) da UFSC.

O trabalho é desenvolvido em duas frentes: em Santa Catarina, por meio dos campi da UFSC em Florianópolis e em Curitibanos, os quais buscam envolver os mais de 160 assentamentos do Estado catarinense, e na região do sertão do Vale do São Francisco, em nove municípios da Bahia e de Pernambuco, com o envolvimento de mais de 30 assentamentos de reforma agrária localizados nas divisas dos dois Estados.

“Apesar de ser um projeto único, na prática podemos dividir em dois porque são dois espaços geográficos bem diferentes e temos duas formas de atuação bem distintas”, comenta o professor, que é docente nas cadeiras de Fundamentos de Economia Rural, Gestão dos Negócios Agroindustriais e Cooperativismo e Comercialização.

No Nordeste, o projeto estuda a cadeia de valor da fruticultura, uma vez que há na região uma grande variedade de frutas, tais como uva, acerola, melão, manga goiaba etc. “Há uma grande fartura de produção, mesmo com todas as dificuldades relacionadas ao acesso à água irrigada e à falta de assistência técnica”, observa o professor.

Já em Santa Catarina, o foco é no modelo de negócio chamado Armazém do Campo. “A proposta é estudar os arranjos institucionais possíveis para a criação de um ponto varejista que venderá aos consumidores finais os produtos da reforma agrária e da agricultura familiar camponesa e indígena”, explica Estevan Muñoz.

Idealizado tanto para a Capital quanto para uma cidade de pequeno porte, como Curitibanos, o modelo do Armazém do Campo – Produtos da Terra já é desenvolvido em outras cidades brasileiras, com lojas em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizontes, formando uma rede com produtos oriundos da reforma agrária, da agricultura familiar, indígena e também da economia solidária.

 

Dificuldades e virtudes

 

Se existem diferenças nas propostas para Santa Catarina e para o Nordeste, também há dificuldade em ambos os territórios. “No Nordeste faltam organizações econômicas, como agroindústrias e cooperativas; estruturas físicas; veículos para a logística da produção; e falta um conhecimento melhor dos mercados. E aqui em Santa Catarina também falta muita coisa: falta qualificar pessoas que vão atuar nos pontos varejistas, que vão conseguir identificar quem são os fornecedores; como se organiza o capital de giro, os fluxos de caixa; como criar um ponto de comercialização que seja viável economicamente, socialmente e ambientalmente. Enfim, são muitos desafios”, ressalta.

Para ele, no entanto, não há somente dificuldades – há também muitas virtudes: a começar pela essência do projeto, que é a produção da agricultura familiar e camponesa nos assentamentos agrários. “Quando a gente fala em agricultores familiares, estamos falando em uma relação que é diferente da relação que uma agricultura industrial tem. Não é uma produção de mercadoria para ganhar dinheiro: é o muito mais do que isso. É o modo de vida que reconecta a relação entre seres humanos e a natureza, é um caminho urgente em face da crise sistêmica que ameaça o futuro da humanidade. Então esse é o grande valor da agricultura familiar e camponesa, esse é o grande valor dos produtos da reforma agrária”, compara o professor.

 

Diversidade

 

Além da essência, há também uma grande diversidade na produção, ressalta a professora Marília Gaia, coordenadora do Lecera e subcoordenadora do projeto. “Tudo que você pensar, a agricultura familiar camponesa produz. Agora o desafio é: como é que a gente consegue pegar esse pouquinho das diversidades que têm no Brasil inteiro e fazer chegar nos diferentes canais de comercialização de uma forma que remunere de maneira justa as famílias assentadas e cheguem com qualidade na mesa dos consumidores de qualquer classe social”, observa a professora Marília. “Não se trata de promover nichos de mercados elitizados, mas de democratizar os alimentos saudáveis e agroecológicos. Esses são os desafios que temos”, acrescenta a professora.

O projeto é financiado por emendas parlamentares dos deputados federais Luiza Erundina e Valmir Assunção direcionadas ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). “Hoje, resultado de quase 40 anos do processo de redemocratização do país e guardadas as diferenças existentes entre as regiões e os próprios assentamentos, temos uma produção minimamente organizada nos assentamentos da reforma agrária no país. Temos a produção e um pouquinho de processamento, mas e a comercialização? Então, a comercialização começou a se tornar uma preocupação mais recente dentro das estratégias das organizações da reforma agrária”, observa o professor Estevan Muñoz.

 

Qualidade e preço

 

Nesse vácuo dos processos é que entra o projeto. “Ele entra para auxiliar os tomadores de decisão, seja dos assentamentos da reforma agrária, sejam os agentes públicos que promovem as políticas públicas em Brasília ou em outros espaços institucionais. O projeto entra para qualificar esses processos. É nesse sentido que nós queremos ajudar: queremos qualificar os elos que atuam nos processos produtivos que envolvem os assentamentos e que, invariavelmente, também irão contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar camponesa como um todo”, ressalta Muñoz.

Além de Muñoz e de Marília Gaia, o trabalho também é desenvolvido por docentes e alunos vinculados ao Laboratório Interdisciplinar em Sistemas Alimentares (Lisa) do Centro de Ciências Rurais (CCR) de Curitibanos e do Lecera do Centro de Ciências Agrárias (CCA), em Florianópolis. Há também dois professores da Universidade Federal do Vale de São Francisco (Univasf) e três acadêmicos envolvidos junto ao Núcleo Sertão Agroecológico, com quem o projeto mantém um termo de cooperação.

“Se a gente conseguir fazer com que os produtos cheguem na mesa dos consumidores de maneira que tenha qualidade, que tenha a procedência e que seja um preço acessível, eu acho que esse nosso projeto vai contribuir muito para o fortalecimento da agricultura agroecológica nos assentamentos agrários”, projeta o coordenador do trabalho.

 

PROJETO: ESTUDOS ESTRATÉGICOS PARA AS CADEIAS DE VALOR DA REFORMA AGRÁRIA / COORDENADOR: Estevan Pizarro Muñoz / estevanpmunoz@gmail.com / UFSC / Departamento de Ciências Naturais e Sociais / CCR / 21 participantes diretamente envolvidos

 

* Esta reportagem faz parte da edição 15 da Revista da Fapeu, que está disponível na integra em https://tinyurl.com/RevistaDaFapeu

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